Aqui fica uma explicação muito interessante sobre este tema por
Miguel Pimentel
"De repente abrimos os
jornais e percebemos que todos conhecem os swaps,
aqueles instrumentos financeiros que provocaram cerca de 3 mil milhões de euros
de prejuízos ao Estado. A opinião dominante parece classificar estes
instrumentos como especulativos, uma espécie de aposta numa coisa esotérica que
claramente deveria ser vedada a empresas públicas. Pois de facto não são as
características destes instrumentos que os tornam especulativos ou de cobertura
de riscos, mas sim a sua utilização. Em rigor o Estado pode até não estar a
perder dinheiro mas sim a ter um custo de oportunidade, o resto é política ou
vozes de quem não sabe o que diz.
Comecemos
por alguns conceitos:
(1) derivados são instrumentos financeiros cujo valor e
evolução futura do mesmo deriva do valor de um determinado activo subjacente,
como por exemplo uma acção, um índice, uma mercadoria ou uma taxa de juro;
(2)
pelo padrão dos possíveis fluxos financeiros que estão associados aos derivados
distinguem-se 2 grupos, os lineares, como os futuros, os swaps e os fras,
e os não lineares, em geral as opções ou conjuntos de opções, como os caps, os
floors, os swaptions ou as opções sobre obrigações;
(3) a
negociação de derivados poderá ser particular, OTC (over-the-counter), também chamado de mercado de
balcão, ou negociados em bolsas, ETD (exchange-traded
derivatives);
(4) é comum classificar-se os derivados pelo tipo de
activo subjacente, nomeadamente derivados sobre acções, sobre taxas de juros,
sobre taxas de câmbios, sobre mercadorias ou sobre crédito.
Há imensos tipos de swaps, normalmente agrupados
em 5 grupos, swapssobre taxas de juros,
sobre moedas, sobre crédito, sobre mercadorias e sobre acções. Em comum é que
se trata sempre de uma troca dos fluxos financeiros associados a um determinado
activo ou ao valor de um determinado activo, o chamado valor nocional.
Vou dar um exemplo
doméstico. Quando cada um dos meus filhos nasceu abri uma conta num corretor
com 100 contos, que fui investindo na compra de acções e na utilização de
futuros sobre acções e sobre índices. A ideia era poderem comprar um carro
quando tivessem idade para isso e entretanto aprenderem alguma coisa sobre
investimento. Com o tipo de risco que usava na gestão destas contas era normal
ter meses com resultados muito simpáticos mas também meses com prejuízos
terríveis. Aos 13 anos disse-me um deles: esta conta já esteve com €15.000 e
agora está com €12.000, não posso fazer nada para ter um resultado certo mensal
em vez destas variações? Podes, podes vender tudo o que tens e comprar
obrigações que te rendem 5% ao ano, o que te dá €50 por mês. E assim não corro
riscos, certo? Bom, se não fizeres nada disso não sabes hoje o valor da tua
carteira daqui a 5 anos, poderá ser até mais baixo que hoje, por exemplo
€10.000 mas também pode subir, por exemplo para €25.000. Então o que deve ser
feito? Depende do teu perfil de risco, não há certo e errado nestas coisas,
tens que conhecer é as consequências da decisão que tomares. Eu acho que
prefiro as obrigações, tu o que escolhias? Eu escolhia as acções. Fazemos
assim, não mexemos no que tens e em cada mês fazemos as contas, no final dos 5
anos, eu dou-te €50 por cada mês e tu dás-me o resultado que a carteira tiver,
assim sabes que no final tens sempre €15.000, independentemente da evolução do
valor da tua conta. Vamos ver se percebi, o que acontece no final se o valor da
minha conta for €25.000? Nesse caso eu dou-te os €3.000 e tu dás-me €13.000,
ficas com €15.000. E se no final o valor for €10.000? É só fazer as contas,
nesse caso tenho que te dar os €3.000 mais €2.000 que corresponde ao resultado
negativo da tua conta, ficas na mesma com €15.000. Mas se a conta vale no final
€25.000 eu perco €10.000, não? Não, deixas é de ganhar €10.000, chama-se a isso
custo de oportunidade mas compreendo que te venha a parecer um prejuízo
efectivo. Isto é um swap!
Os swaps que
temos ouvido falar terem sido utilizados pelas empresas públicas e que geraram
fortes prejuízos são de taxas de juro. Basicamente as empresas tinham
empréstimos com taxas de juro variável e quiseram anular o risco de subida de
taxas contratando um swap. Fui ver um caso concreto, na Companhia Carris de
Ferro de Lisboa, S.A., conhecida por Carris. No relatório referente ao
exercício de 2012 podemos ler assim “A partir de 2005, face a` subida das taxas
de juro, a Empresa contratou swaps para cobertura do risco, os
quais geraram fluxos financeiros, em termos líquidos de +1,6 milhões de euros
em 2006, de +5,5 milhões de euros em 2007 e de + 9,0 milhões de euros em 2008.
Com a descida das taxas de juro em 2009, o fluxo financeiro líquido foi de -5,0
milhões de euros, em 2010 de -15,6 milhões de euros, em 2011 de -13,8 milhões
de euros e em 2012 de -17,0 milhões de euros.”
A mim parece-me do mais
sensato as empresas terem celebrado este tipo de contratos. A que propósito é
que a Carris deve ficar sujeita a taxa de juro no futuro que desconhece? Se não
se consegue endividar a taxas fixas bom é que faça um swap para deixar de estar sujeito a
taxas variáveis e saber com o que conta no futuro. Ouvi alguns dizer que as
empresas não deviam fazer este tipo de contrato por serem especulativos. Tenho
quase sempre alguma dificuldade de entender o que chamam de especulação, mas
vamos lá ver, ter uma taxa fixa num empréstimo é especulação e estar sujeito a
variações periódicas na taxa não é?
Por certo que os 3 mil milhões de euros de prejuízos que se fala em relação a
este tipo de contratos não são apenas o resultado de swaps de taxa juro na forma simples,
os chamados plain vanilla, mas sim de
algumas variações aos mesmos, em particular negociados durante a sua vigência e
em situações em que as empresas aceitam, ou são forçadas a aceitar, transformar
os contratos simples iniciais por outros bem mais complexos a que podemos de
exóticos, por oposição aos plain vanilla.
No caso mais simples em que
alguém tem um empréstimo com uma taxa de juro variável, por exemplo Euribor a 3
meses acrescido de um spread, a contratação de um
swap de taxa de juro equivale a substituir o empréstimo por um outro do mesmo
valor em que a taxa de juro seja fixa. Por certo que se o expediente tivesse
sido este, trocando efectivamente os empréstimos, provavelmente ninguém falaria
hoje em prejuízo, até porque ele não existiria contabilizado, muito embora o
resultado fosse exactamente o mesmo. Se alguém faz de inicio um empréstimo a
uma taxa de juro fixa, dizemos, financeiramente, que não está a correr risco
pois sabe exactamente quanto vai pagar na vigência do financiamento. Claro que
se a taxa de juro subir poderemos vir a considerar o empréstimo de taxa fixa um
excelente negócio mas se a taxa de juro descer teremos um chamado custo de
oportunidade, isto é, podemos estar a pagar um valor de juro mais alto do que
pagaríamos se o financiamento fosse efectuado nas condições atuais.
Anular riscos nem sempre é
bom, seja em taxas de juro, em câmbios em preços de mercadorias ou outra coisa
qualquer. Imaginem que estou a produzir uma encomenda para exportar para os
Estados Unidos daqui a 3 meses por 1 milhão de dólares. Eu não sei, ninguém
sabe, qual o cambio do Eur/Usd para daqui a 3 meses mas se quiser posso fixá-lo
sem problema, por exemplo contratando com um banco a venda desse milhão de
dólares para daqui a 3 meses. É curioso o disparate sobre este tipo de
operações que o Banco ao fixar um câmbio deste tipo está a correr ele o risco
em vez do cliente. Nada, ninguém vai correr risco nenhum. O Banco simplesmente
pede hoje emprestado por 3 meses uns dólares que no final amortiza com o milhão
de dólares (que eu vou receber), entretanto converte os dólares hoje em euros e
aplica-os também por 3 meses. A taxa de câmbio a prazo será calculada de acordo
com o valor dos euros aplicados que correspondem ao vencimento do financiamento
em dólares. Um câmbio a prazo não é mais que a diferença de taxas de juro
aplicada a cada moeda, ninguém está a correr qualquer risco. Mas daqui a três
meses o dólar pode estar muito mais alto e eu “vou” perder dinheiro. Não, não
vou perder, vou deixar de ganhar, é bem diferente.
Mas gerir o risco de taxa
de juro é apenas isto? Transformar taxas variáveis em taxas fixas ou
vice-versa? Do ponto de vista financeiro sim, para um gestor financeiro risco é
algo futuro que não se conhece o valor hoje. Uma outra coisa bem diferente é:
mas os gestores querem anular todos os riscos? Claro que não, por um princípio
geral nas finanças que em linguagem popular muitas vezes se diz “não há almoços
grátis”. Se perante um qualquer negócio, financeiro ou não, retirarmos todos os
riscos, ficamos no final com uma aplicação financeira a uma taxa de retorno
isenta de risco, que é coisa raramente apetecível para um empreendedor, que se
assume como um tomador de riscos, assumidos supostamente de forma criteriosa de
forma a proporcionar um bom resultado no final.
Voltando às taxas de juro,
alguém que tenha um (ou vários) financiamento(s) a taxas fixas não pode ou não
deve fazer nada? A regra normalmente aceite é a seguinte: as empresas devem
assumir os riscos normais inerentes ao seu negócio e anular os que são
acessórios à sua actividade. Se me considerar especialista em taxas de juro
nada me impede de especular sobre a sua subida ou descida, mas se trabalho numa
empresa de transportes faz sentido fazer a mesma coisa? Já me parece que não.
Se eu exporto ou importo em moedas diferentes do Euro devo estar sujeito a
variações de câmbio? Não me parece. Se eu transformo algodão em fio, ou em
malha, devo estar sujeito às variações dos preços das matérias-primas? Penso
que não. Se eu tenho uma refinaria, devo estar sujeito às variações do mercado
do petróleo. Para quê? Não digo que uma empresa privada não o faça, desde que
tenha dinheiro para tal e que esteja de acordo com o perfil de risco dos
sócios, mas uma empresa pública deve fazê-lo? A que propósito?
Com o nosso dinheiro
fazemos o que queremos. A mim pode-me apetecer “apostar” que a Libor a 3 meses
daqui a um ano está acima de 4% e então compro um Caplet e posso ao mesmo tempo querer
ganhar algum se a mesma taxa estiver abaixo de 2% e então compro um Florlet.
Pode-me apetecer replicar isso para cada três meses durante cinco anos e então
o que quero é uma carteira de Caplets, que se chama Cap,
e um conjunto de Florlets, que se chama Floor.
Posso achar por exemplo que as taxas hoje estão baixas e querer aproveitar para
fixar a taxa para um empréstimo que prevejo fazer daqui a 3 anos.
Mesmo no caso dos swaps que temos ouvido, a mim não me
choca nada que as empresas tenham feito um financiamento a taxa variável em
primeiro lugar e que em dado momento pretenderam não correr o risco de uma
subida de taxas de juro, o que parece sensato em 2005 ou 2006, e fizeram um swap.
Também não me chocaria que ao mesmo tempo que fizeram o swapcomprassem
alguma opção ou um conjunto de opções para poder vir a beneficiar de uma
eventual descida de taxas.
Teremos alguns casos em que
as empresas não souberam ou não tiveram boas condições de alterar as posições
que tinham, nomeadamente de comprar osCaps a preços decentes, outras vezes
terão assumido posições em derivados exóticos que dificilmente encontro
explicação mas daí a afirmar que nunca devem ser usados vai uma grande
diferença.
Hoje, por exemplo, temos o
nível de taxas de juro que todos conhecem. As empresas públicas têm milhões em
financiamentos indexados à Euribor. Como contribuinte parece-me de elementar
bom-senso que estas empresas se protejam sobre uma subida de taxas de juro. A
contratação de swaps é a forma mais eficiente de o
fazerem, caso contrário estaremos a especular, o que não é uma coisa agradável
que o Estado faça com o “nosso” dinheiro."
Fonte: Público - Economia